sexta-feira, 18 de abril de 2008


Ser índio no Brasil


Quando os portugueses chegaram aqui, sem ser convidados, os índios eram mais de três milhões. Viviam livres por toda a terra brasilis envolvidos por seus rituais, costumes, crenças e dialetos. Hoje cerca de 600 mil vivem entre o embate de ser sua essência ou de ser o que foi levado a ser.

Logo no início foram enfeitiçados pelo poder venenoso da novidade. Era um espelhinho pra lá e uma árvore de pau-brasil pra cá. Eles, na ingenuidade e na pureza de quem só viveu da e para a natureza, não entendiam bem essa troca. E como o vírus da novidade se multiplica, quanto mais árvores mais presentinhos inúteis. Um índio até pensou que os portugueses eram mesmo carecidos de significado. Os pobres coitados vinham de uma terra onde não havia árvores e por isso se encantavam com elas.

Mais tarde, quando tentaram escravizá-los nas agriculturas sistematizadas da cana-de-açúcar, foram dispensados dessa subserviência, pois como se reconheciam livres, não admitiam ser escravos.

Esse é o começo triste de uma história que mesmo sem acabar, possui muitos entremeios infelizes. Nossa cultura tão evoluída só degenerou o que era nobre e puro naturalmente. Acrescentamos a eles os vírus de gripe, as doenças venéreas, vestimos a nudez deles – afinal de contas somos puritanos -, trocamos a terra, a caça e a pesca por cestas básicas, ensinamos a língua portuguesa para garantir a soberania nacional, apresentamos o vício do álcool, introduzimos a avançada tecnologia e a mídia na aldeias.

Qual o saldo de tudo isso? Uma cultura primitiva contaminada pelo “desenvolvimento” do não- índio. Tudo de mau que eles adquiriram foi por imposição nossa. Desde os jesuítas que os obrigavam a se vestir e a falar o português, até hoje, quando posseiros tomam suas terras forçando-os a entrarem no sistema capitalista.

Disso tudo, no contexto Brasil de agora, o índio é como um não-índio. A ganância e o egoísmo da civilização chegou até ao coração puro do bom selvagem, que, para além do idealismo de José de Alencar, foi-lhes tirado o direito de serem que foram desde o princípio.

E ainda muitos os culpam por isso. Talvez quando aprendermos a olhar o diferente como simplesmente diferente, quando entendermos que a diversidade deva ser, mesmo que conflituosa, diversa, então nossa civilização poderá comportar-se de modo a dar espaço e respeito para o índio e toda sua forma de vida cultura. Que não seja tarde demais!
Profa. Inês Murad

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Tarde de junho – Rafael Kanomata



Lembro-me daquele dia como se fosse hoje mesmo: o dia em que eu havia fugido d’A Morte. A partir daquele dia, comecei a dar mais valor à vida, aos amigos e família.
Meu nome é Zacarias Mocó Santana. Vinte e cinco anos, terminada a faculdade de engenharia, passava um sábado na casa de meus pais, na minha cidade natal.
Ocorreu como um dia normal. Era dia 27 de junho, véspera de meu aniversário. Garoa fina, típico clima de fim de outono. Eram três ou quatro horas, deitado no sofá, lia algumas revistas e em dez minutos, havia adormecido.
Tive certo sonho. Era um local macabro, a porta da frente de um cemitério, mas apenas. Ao redor aparentava ser um vazio infinito, também não havia piso, apenas neblina densa e alva e a iluminação era apenas o luar sombrio. Com um impulso inconsciente, adentrei o portal enferrujado. Ao entrar completamente o local, as portas de entrada se fecham e todo o exterior é completamente envolto em trevas.
Em pouco tempo, notei que tal cemitério era familiar. Era o mesmo da cidade. Vi os túmulos do prefeito passado, do famoso louco, o mausoléu dos Aquinos, família rica. Era de fato o cemitério da cidade. E assim ao passar pela estátua do Cristo, era possível ouvir uma respiração que não a minha. E ao caminhar, a respiração ficava mais próxima e ofegante. Desesperado, corri. Enquanto corria, o cemitério era pouco a pouco engolido pela escuridão.
Passei em frente ao túmulo da família e notei que algo estava muito diferente. Parei por um instante para respirar e vi que todos os nomes estavam borrados. Apenas um estava nítido. “Zacarias Mocó Santana!” Após ler, fiquei paralisado e uma voz disse: “Hoje à noite, você virá comigo!”. Da lápide, abre-se um vórtice negro e surge uma figura sombria. Uma criatura com uma capa preta e rasgada na parte mais inferior. O que mais me surpreendeu foi o fato de a criatura manejar uma grande e afiada foice, amarrada numa corrente de ferro completamente ensangüentada.
-Hoje à noite eu virei para te buscar. Quando o relógio da cidade soar o sino da meia-noite, você já estará comigo. E não resista. Eu sou A Morte.
Quando A Morte havia acabado de falar, se aproximou de mim. Tentei fugir, mas estava imobilizado pela corrente. Enfim, ao me tocar a morte sussurrou – Agora acorde!- com isso, minha cabeça foi tomada completamente por um grito sinistro e ensurdecedor e assim acordei.
Eram oito horas. Não sabia se era verdade ou não, mas contei para os parentes o que tinha visto. Uns disseram que não havia com o que preocupar, pois era apenas um sonho, mas minha avó disse ter uma maldição na família. De sete em sete gerações, ao completar vinte e seis anos, a figura d’A Morte tomaria a vida do jovem, exatamente à meia-noite.
Nesse momento estava muito amedrontado e contatei todos os meus amigos mais queridos. Disse tudo o que tinha a dizer, revivemos os momentos de nossas vidas, e que talvez nunca mais os veria novamente.
Faltava pouco para o encontro com A Morte, pouco menos de três minutos,
A família terminando de cear e tomada pela ansiedade da possibilidade da minha partida. Todos conversando e o sino começa a soar. E no momento que o sino pára de soar, ouço aquele mesmo grito do sonho e caio no chão.
Ao acordar, escuridão. Apenas escuridão. Inacabável e por todas as partes.
De súbito, a figura aterrorizante d’A Morte aparece.
-Agora que está aqui, não há mais volta. Você se juntará aos seus ancestrais.
Quando olho ao redor, várias silhuetas humanas putrefeitas aparecem ao meu redor.– Estes são os seus ancestrais. Eles estão muito ansiosos para te conhecer.
E em instantes, devido ao medo, estava completamente imóvel e aterrorizado. Foram se aproximando e me seguraram. Então, A Morte se prepara para me tirar a vida. Materializa a foice e uma densa neblina aparece. E quando a lâmina estava a fazer o contato com a cabeça, uma força me puxou e me acertou de raspão. Da parte cortada, uma leve linha de sangue escorre pelo rosto.
Ao olhar para trás, um grande vórtice de luz começa a me puxar. Os zumbis se soltam e A Morte vai lentamente desaparecendo nas trevas e, ao me absorver completamente, eu acordo. Olho ao redor, aquela leve garoa, as revistas no chão, a minha prima assistindo televisão. Verifiquei o relógio e me surpreendi: cinco horas. Vinte e sete de junho. Foi como se exatamente nada tivesse acontecido.Era uma tardezinha qualquer de junho, como se nada tivesse acontecido

Mesmos Passos – Raquel Murad



Ezequiel... Ezequiel... Como me desiludir desse incômodo? Como acontecerá esse reencontro, nunca tido antes, e que não fora marcado?
Sempre freqüentadora de uma singela e comum praça, onde muitos, inclusive eu, deixam seus passos apressados para o trabalho. Repentinamente, o lugar não foi mais o mesmo para mim. Um indivíduo, cujo nome eu desconhecia, era também freqüentador.
Dia a dia, sem mais e sem menos, eu me achava perdida em seus passos, e cheguei a até segui-los uma vez. Tudo resultado da comoção que aquela face me causou. Eu andava sempre entretida no que ele fazia, em suas companhias, expressões e gestos.
Ao longo do tempo, não me continha em apenas vê-lo. Porém, queria traduzir e reconhecer o que aquela pura beleza poderia dizer: o que continha de real valor em sua pessoa. Assim, me virei do avesso, mas alcancei informações, e valiosíssimas por sinal: descobri um conhecido em comum. Pronto! Dediquei-me a achá-lo na vida virtual, e assim o fiz. Logo se deu a primeira conversa, tida pela tecnologia comunicativa.
Nome? Ezequiel. Perguntou-me quem eu era, logo fiz alusão ao conhecido em comum. Disse-me que eu trazia uma face familiar a ele. Contei-lhe nosso local de freqüência, que o fez se lembrar de mim rapidamente. Fato que afirma ser seu entretenimento antigo em minha face também.
Consegui o que queria. Analisei sucintamente a origem e a realidade de seus conceitos e valores. O que não me agradou inteiramente.
Após realizar essa definição, me veio à mente um incômodo impertinente: tendo, pois, me comunicado com ele, como agora se daria o “reencontro”, o qual não fora minuciosamente previsto, mas se daria com a ação do dia a dia? Incômodo este que se agravou ao me deparar com minha realidade tímida.
Queria reencontrá-lo, porém minha análise feita dele não me convencia a isso, muito menos minha timidez.
Não pude fugir. E ao raiar do dia fui ao encontro dele, e de encontro comigo mesma. Os olhares, as emoções, os sentidos e o contentamento foram resumidos num “oi, tudo bom?!”. E assim sucedeu continuamente.
Ezequiel: para mim, uma amizade desejada e invejada, porém não conquistada. Relembrei seus conceitos não aprovados. Restou-me refletir. Em suma, fui ao encontro de mim mesma. Concluí seguir meu caminho linear de antigamente, porém largar os mesmos passos.

Impulso versus Consciência - Alana Cardoso Telhe



- Mas acontece que eu sou sua mãe, a senhorita é menor de idade e eu ainda te sustento, portanto você vai fazer o que eu mandar, sem reclamar ou discutir, entendeu?
- É, é sempre assim mesmo: você manda, eu obedeço. Você nunca quer saber dos meus problemas, nunca quer saber os motivos, você nunca me entende e não quer me entender! Eu odeio você!
O último barulho depois de toda essa gritaria, foi o da porta do quarto batendo. Silêncio. Só os ouvidos mais apurados conseguiram ouvir o chorinho, que vinha lá do quarto, tímido.
Se há um segundo, a consciência parecia não funcionar, agora ela trabalhava em dobro, talvez para compensar o tempinho perdido...
Será que vale a pena dizer coisas tão duras para a pessoa que mais te ama, apenas por ela ter contrariado uma vontade, uma vontadezinha? O que dói mais é perceber que essa decisão foi só para fazer feliz e educar – a filha tinha mergulhado nesses pensamentos, e finalmente a consciência entende a decisão da mãe. Será que era tarde para pedir desculpas?
A porta do quarto abriu, a filha passou por ela e foi ter com a mãe. A surpresa foi que esta também debulhava-se em lágrimas. Dói mais dizer ou ouvir, ter que decidir ou aceitar uma decisão?
- Mãe... me perdoa? Eu não odeio você, e eu entendi os seus motivos, sei que quer o melhor pra mim.
O coração de mãe, quando tocado pelos filhos torna-se tão duro... duro como nada mais que uma manteiga de retida.
- É claro que eu te perdôo filha. Eu te amo, e realmente só quero o seu bem. Que bom que você entendeu isso.
E um abraço, um tanto quanto molhado pelas lágrimas, selou a reconciliação.
Mas mal sabiam elas essa paz não dura nem um dia. O impulso faz tudo acontecer de novo...

Novela ao Vivo - Michael Yamashita



Muitas noites se passaram, longas e longas brigas, discussões que duravam até altas horas, madrugada adentro.
Tudo começou, por causa de um canal de TV, enquanto meu pai queria telejornal, minha mãe queria as famosas novelas durante o jantar, assim deu-se início a uma série de brigas.
Isto já estava ficando insuportável, tanto para mim quanto para meu irmão. Não nos manifestávamos e simplesmente assistíamos como se fosse uma novela cheia de problemas.
Algumas noites, meu pai não voltava, outras não tinha jantar. O único momento em que existia paz era quando trabalhavam, parecia que o inferno do trabalho, cheio de papéis e reclamações, na realidade era o paraíso para nós.
Essa situação não mudou apenas a rotina deles, mas de todos em casa. Eu já não tinha mais cabeça para passar longas horas lendo livros, ficava o dia inteiro trancado no quarto, noites mal dormidas. O desempenho na escola, foi uma queda livre direto para o chão. Momentos tristes de muita depressão. Mas todo episódio sempre tem um fim.
Como sempre estavam em discussão, até que chegou a hora de eu interferir. Entre os gritos, um se destacou, e não eram deles, era o meu. Pedia para eles um momento de paz, harmonia, que cuidassem desse problema como adultos, caso isso continuasse eu iria morar com a minha avó. O silêncio regeu aquele jantar, apenas escutando ruídos dos garfos nos pratos, cada barulho tomava conta do ambiente.
No dia seguinte, parecia que “a novela” havia acabado com um final feliz. Era como mágica, tudo estava como antes, meus pais em harmonia. Mas agora a briga é outra, entre mim e meu irmão, mas como toda família, faz parte da rotina.

Uma lição de vida - Lucas Miranda de Oliveira



Sentou na primeira carteira. “É agora”, pensava Luís. Ele suava. Sua mão tremia. “Não vou conseguir... Não. Eu tenho que conseguir!”, falava para si mesmo. Nesse momento, a professora entra com o bloco de provas nas mãos. Para ele, era tudo ou nada.
Tudo começou há muito tempo. Vamos começar por uma Segunda-feira. Dia da semana que Luís mais odiava.
- Que droga! Acordar cedo logo numa segunda... Odeio Segundas feiras! Reclamava ele para sua mãe, que já se cansava de ouvir a mesma história.
Apesar de toda a choradeira, vestiu o uniforme e descia para o café. Terminando o café, foi escovar os dentes. Arrumou a mochila e saiu.
Luís fazia o mesmo caminho para o colégio, sempre. Chegando lá, cumprimentou seus “camaradas” e esperou pelo professor, que não demorou a chegar. Era aula de Geografia. Não se pode dizer que ele não gostava da matéria, já que para ele era indiferente. Só se dava “bem” em Informática e Educação Física.
Luís era muito relaxado, não ligava para os estudos. E, como era de se esperar, só tirava notas baixas. Sua mãe sempre era chamada na escola pela diretora para ouvir reclamações de seu filho. Brigas, palavrões, desinteresse, atrapalhava a aula e seus colegas de classe, tudo.
Até que um dia, numa Quinta-feira:
- Luís, precisamos ter uma conversa! – dizia sua mãe. Isso não pode continuar assim, filho! Você preci...
- Pára, mãe! interrompe o menino.
A mãe não agüentou nenhuma palavra a mais de Luís.
- Escuta aqui – começou ela – se você pensa que vai continuar nessa vida boa, pode esquecer! Não vou ficar mais gastando dinheiro à toa com você. Se você não quer estudar, problema seu. Eu já me cansei. Mas não pense que vou ficar pagando uma nota de escola particular pra você!
- Mas mãe...
- Eu ainda não acabei! Ontem fui na sua escola, pra variar. A diretora disse que manhã tem um provão na escola, né? Pois bem, para que você continue a estudar naquela escola, terá de tirar uma boa nota. Boa não, ótima, ouviu bem? E ai de você se me vier com menos que 10... Agora vai pegar suas coisas, e já pra escola!
O menino ficou atordoado. Nem sabia o que dizer. Porém, não precisou dizer nada. Pegou sua mochila e saiu. Aquela foi a mais longa caminhada para a escola da vida de Luís. Pensava em mil coisas, não só no caminho, mas durante todas as aulas daquele dia. Os professores toda aquela paz na sala de aula.
Quando voltou da escola, foi direto para a cama. Nem quis comer. Ficou lá, atirado, pensando em tudo, e ao mesmo tempo em nada, até que dormiu. Só foi acordar às seis da tarde, cheio de fome. Porém, não foi comer, foi estudar. E estudou sem parar. Estudou Matemática, História, Química, Física, tudo. Até Geografia. Só terminou às duas da madrugada.
Na manhã seguinte, foi para a escola. Aquele foi o primeiro dos muitos outros dias em que Luís acordou e não reclamou. Até se despediu da mãe com um beijo antes de sair. Ela não entendeu muita coisa, mas gostou de seu novo comportamento.
Chegando à escola, entrou na sala rapidamente e abriu os livros. A prova iria começar em dez minutos. E durante todo esse tempo, não desviou o olhar dos livros nem por um segundo.
Bate o sinal, a professora entra com o bloco de provas... Luís fica tenso e desacreditado em si mesmo. Se sente mal, não por ter abandonado os estudos até aqueles dias, mas pela falta de energia, já que fazia um bom tempo que Luís não comia nada.
Ele suava e suas mãos tremiam. Já não se agüentava, quando desmaiou. Só foi acordar no hospital, com sua mãe a seu lado, segurando sua mão. Ela lhe explicou o que tinha ocorrido e ele fez o mesmo, pedindo desculpas e contando seus pensamentos a ela.
Depois de toda a confusão, a mãe não iria tirá-lo da escola, pois reconhecera que seu filho tinha aprendido a lição. Porém, Luís insistiu que a mãe cumprisse o prometido, para que ele pagasse pelos seus atos.
Aquele menino imaturo, relaxado, desaparecera. Agora, Luís se mostrava um homem maduro e responsável.
Sim, ele foi para uma escola estadual, a melhor de sua cidade. E foi o melhor aluno de sua sala, até o final de seu Ensino Médio, quando se formou. Entrou numa boa faculdade logo em seguida. Deu uma boa vida para sua mãe, deixando-a orgulhosa.
Luís aprendeu a lição, da pior maneira. Apesar da pressão que o fez acordar para o mundo, não se abateu e lutou para conseguir o que realmente queria.
Agora, ele garante que não vai permitir que seu filho “acorde” tão tarde para o mundo.