segunda-feira, 7 de abril de 2008

Tarde de junho – Rafael Kanomata



Lembro-me daquele dia como se fosse hoje mesmo: o dia em que eu havia fugido d’A Morte. A partir daquele dia, comecei a dar mais valor à vida, aos amigos e família.
Meu nome é Zacarias Mocó Santana. Vinte e cinco anos, terminada a faculdade de engenharia, passava um sábado na casa de meus pais, na minha cidade natal.
Ocorreu como um dia normal. Era dia 27 de junho, véspera de meu aniversário. Garoa fina, típico clima de fim de outono. Eram três ou quatro horas, deitado no sofá, lia algumas revistas e em dez minutos, havia adormecido.
Tive certo sonho. Era um local macabro, a porta da frente de um cemitério, mas apenas. Ao redor aparentava ser um vazio infinito, também não havia piso, apenas neblina densa e alva e a iluminação era apenas o luar sombrio. Com um impulso inconsciente, adentrei o portal enferrujado. Ao entrar completamente o local, as portas de entrada se fecham e todo o exterior é completamente envolto em trevas.
Em pouco tempo, notei que tal cemitério era familiar. Era o mesmo da cidade. Vi os túmulos do prefeito passado, do famoso louco, o mausoléu dos Aquinos, família rica. Era de fato o cemitério da cidade. E assim ao passar pela estátua do Cristo, era possível ouvir uma respiração que não a minha. E ao caminhar, a respiração ficava mais próxima e ofegante. Desesperado, corri. Enquanto corria, o cemitério era pouco a pouco engolido pela escuridão.
Passei em frente ao túmulo da família e notei que algo estava muito diferente. Parei por um instante para respirar e vi que todos os nomes estavam borrados. Apenas um estava nítido. “Zacarias Mocó Santana!” Após ler, fiquei paralisado e uma voz disse: “Hoje à noite, você virá comigo!”. Da lápide, abre-se um vórtice negro e surge uma figura sombria. Uma criatura com uma capa preta e rasgada na parte mais inferior. O que mais me surpreendeu foi o fato de a criatura manejar uma grande e afiada foice, amarrada numa corrente de ferro completamente ensangüentada.
-Hoje à noite eu virei para te buscar. Quando o relógio da cidade soar o sino da meia-noite, você já estará comigo. E não resista. Eu sou A Morte.
Quando A Morte havia acabado de falar, se aproximou de mim. Tentei fugir, mas estava imobilizado pela corrente. Enfim, ao me tocar a morte sussurrou – Agora acorde!- com isso, minha cabeça foi tomada completamente por um grito sinistro e ensurdecedor e assim acordei.
Eram oito horas. Não sabia se era verdade ou não, mas contei para os parentes o que tinha visto. Uns disseram que não havia com o que preocupar, pois era apenas um sonho, mas minha avó disse ter uma maldição na família. De sete em sete gerações, ao completar vinte e seis anos, a figura d’A Morte tomaria a vida do jovem, exatamente à meia-noite.
Nesse momento estava muito amedrontado e contatei todos os meus amigos mais queridos. Disse tudo o que tinha a dizer, revivemos os momentos de nossas vidas, e que talvez nunca mais os veria novamente.
Faltava pouco para o encontro com A Morte, pouco menos de três minutos,
A família terminando de cear e tomada pela ansiedade da possibilidade da minha partida. Todos conversando e o sino começa a soar. E no momento que o sino pára de soar, ouço aquele mesmo grito do sonho e caio no chão.
Ao acordar, escuridão. Apenas escuridão. Inacabável e por todas as partes.
De súbito, a figura aterrorizante d’A Morte aparece.
-Agora que está aqui, não há mais volta. Você se juntará aos seus ancestrais.
Quando olho ao redor, várias silhuetas humanas putrefeitas aparecem ao meu redor.– Estes são os seus ancestrais. Eles estão muito ansiosos para te conhecer.
E em instantes, devido ao medo, estava completamente imóvel e aterrorizado. Foram se aproximando e me seguraram. Então, A Morte se prepara para me tirar a vida. Materializa a foice e uma densa neblina aparece. E quando a lâmina estava a fazer o contato com a cabeça, uma força me puxou e me acertou de raspão. Da parte cortada, uma leve linha de sangue escorre pelo rosto.
Ao olhar para trás, um grande vórtice de luz começa a me puxar. Os zumbis se soltam e A Morte vai lentamente desaparecendo nas trevas e, ao me absorver completamente, eu acordo. Olho ao redor, aquela leve garoa, as revistas no chão, a minha prima assistindo televisão. Verifiquei o relógio e me surpreendi: cinco horas. Vinte e sete de junho. Foi como se exatamente nada tivesse acontecido.Era uma tardezinha qualquer de junho, como se nada tivesse acontecido

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